Tuesday, November 13, 2007

Austrália


- Este pássaro...

- É muito feio.

- Escuta. Não interessa se é feio. Sabes que é muito raro conseguir vê-lo. É extremamente rápido.

- Pois, é uma questão de sorte.

- Era aí que eu queria chegar.

- Onde?

- À sorte.

- O que tem a sorte?

- O que pensas tu da sorte?

- O mesmo que penso do azar. Que acontecem. Alternam-se, talvez. Dependem de algum tipo de força.

- Que força?

- Não sei. Deus, o Karma, qualquer coisa. Qualquer coisa acima de nós.

- Se calhar, aprendiz, não está assim tão em cima. É melhor procurares melhor.

- Oh!

- "Oh", não. "Oh", não. Não te esforças. Já pensaste que talvez o que chamamos vulgarmente de "sorte" ou "azar", que no fundo é uma sorte má, pode ser apenas a condição pela qual vemos as coisas?

- Hmm...

- Quero dizer, como "sorte" entenderás os aspectos positivos que se sucedem na tua vida e vice-versa para o "azar" sem que no fundo haja qualquer obrigatoriedade de estabelecer uma relação entre tais acontecimentos.

- Como sendo apenas coincidências?

- Como sendo apenas acontecimentos em si mesmo que só são positivos ou negativos dentro de determinado contexto.

- Isso significa que não existe sorte?

- Tens razão, o pássaro é mesmo feio.

- Mestre!

Wednesday, June 13, 2007

3º Diálogo - Moisés

- Quando é que descobriste?
- Desde que nasci. É de nascença. O meu pai era e lixou-me a mim e à minha mãe.
- Ele sabia?
- Sabia. Mas ele nem sabe quem eu sou. A minha mãe criou-me sozinha. Ela é fantástica e é linda, tens de conhecê-la.
- Claro! Deve ser uma grande mulher.
- A melhor do Mundo.
- Sim. [Sorrio] Se calhar não queres falar no assunto, deixa.
- Se não quisesse falar, não te dizia. Sabes o que é, certo?
- Sim, é uma disfunção no sistema imunitário. Estás exposto a todo o tipo de doenças das quais de outra maneira estarias protegido.
- Pois, é isso. Mas não se vê, não se sente,
- Eu sei, Moisés. Não se vê, não se sente, não se cheira, não se passa por toque nem beijos. Isso toda a gente sabe. Mas mesmo que se passasse assim eu não me ia afastar de ti.
- Ouve quem se afastasse. Olha todas as minhas namoradas desde que souberam, ficaram com medo e afastaram-se de mim aos poucos. Se não podíamos ter relações, então elas não iam ficar comigo.
- Mas podiam! Que estupidez!
- Sim, podiam, mas tinham medo. Nada é 100% seguro.
- Também não é 100% seguro saíres à rua, existe uma certa probabilidade de levares com um avião em cima, de te encontrares no meio de um assalto à mão armada ou de escorregar, bater com a cabeça e ficares com um traumatismo craniano. E isso não me impede de sair à rua.
- Tens piada..
- Não era para ter. Era só para me expressar. Alguém que goste de ti está-se a cagar para isso.
- Tu estarias?
- Eu , claro. Pior seria teres uma verruga azul no meio do nariz.
- Sim , claro [Ri-se]. As pessoas gabam-se que sabem tudo e que não têm preconceitos mas quando chega a vez delas, revelam-se.
- Ainda és virgem?
- Sim, ainda sou. E tudo por ser seropositivo.
- Eu não sou seropositiva, e também sou virgem. Não tem nada a ver.
- Mas eu já tive oportunidades.
- Também eu. Caga nisso, Moisés, pensa mais em ti.
- Não quero pensar. Sei lá, acho que um dia vou morrer por causa disto... Há pessoas que vivem para sempre com SIDA mas esses são os ricos que podem pagar tratamentos. Eu não posso. Tenho 17 anos, A.V, e se calhar estou a viver o fim da minha curta vida, não sei.
- Então se não sabes, não agoires.
- Mas eu jás me estou nas tintas, só que às vezes, volta sempre...está sempre comigo, no pensamento. No corpo. Sou eu, eu sou esta merda. E não posso mudá-lo.
- Então se não podes mudá-lo, esquece-o e vive. Se não soubesses disso, não vivias normalmente?
- Mas eu não posso viver normalmente, eu não sou normal.
- Estás a ser preconceituoso. Então as pessoas doentes não são normais?
- Eram, até eu ser um deles.
- Gostava de ter um daqueles coisinhos dos Man in Black para te apagar a memória e começares tudo de novo.
- Mas não tens..
- Não, não tenho. [Abraçei-o] Desculpa..
- Desculpa eu.
- Porquê?
- Por não te dar logo toda a razão do Mundo.
(A minha mãe pode estar em primeiro, mas tu estás logo a seguir).

Monday, June 4, 2007

2º Diálogo - Carlos


- Não ficaste a pensar mal de mim por eu te contar pois não?

- Achas?? Não sei porque todos perguntam isso!

- Olha, porque é assim , as pessoas são assim, olha-nos de lado por fazermos isto ou aquilo, chibam-se, sei lá. É assim e pronto. Mas eu acho que tu és diferente.

- Ninguém é diferente, Carlos. Mas isso não quer dizer que eu vá pensar mal de ti.

- Então achas normal eu drogar-me?

- Eu já acho tudo normal. E além disso, não és o único neste mundo pois não?

- Pois... não. És mesmo diferente, tu. Quer dizer, para gaja. As gajas normalmente ficam todas lixadas com isto.

- Eu não sou uma gaja.

- Sim, uma miúda.

- Estava a brincar contigo.

- Não vais espalhar pois não?

- Já te disse que não, que neura. Se tens tanto medo que as pessoas saibam, pára com isso.

- Achas que é fácil?

- Não acho, nem deixo de achar. Não sei como é. De qualquer maneira, porque fazes isso?

- Olha e tu, porque é que fumas?

- Porque gosto.

- Mas e não sabes que faz mal?

- Claro que sei.

- Então, é o mesmo princípio. Lá porque faz melhor ou pior, é o mesmo princípio. Faz mal mas tu curtes.

- Sim, mas tu gastas um dinheirão nisso. Podias usar o dinheiro para comprar coisas mais úteis.

- O útil é relativo. Eu já dei saltos do caraças para conseguir, juro-te, já vendi jóias da minha mãe e tudo, ela é que nunca me apanhou. Vendi jogos, vendi roupa, imensas cenas. Agora já estou mais estabilizado. Havia alturas em que andava um agarrado de todo.

- Tu és um agarrado de todo. Essas coisas não se controlam, Carlos, e tu sabes.

- Não me dês lições de moral. ok?

- Não te estou a dar lições de moral nenhumas. Estou só a constatar factos. Mas tu é que sabes, eu não me meto na tua vida.

- És das poucas. Como já te disse, és diferente.

- Ninguém é diferente. Ou todos são, é a mesma coisa.

- Achas assim tanto mal de toda a gente?

- Eu? Não. É-me indiferente. Tu é que estavas preocupado em saber se eu ia dizer a alguém não era?

Sunday, June 3, 2007

1º Diálogo - Jen


- Espero que não fiques a pensar mal de mim depois disto.
- Não me vais contar que mataste alguém pois não?
- Não te rias, é a sério. Sabes qual é o meu trabalho.. vou chamar as coisas pelos nomes, eu sou uma prostituta.
- Hmm.. Sim?
- E então? Não estás chocada?
- Não, era suposto estar?
- Bem, também não me ias dizer na cara. Espero que não contes isto a ninguém.
- Estás parva? Claro que não!
- Pois, isso é o que todos dizem. Eu estou a confiar em ti.
- Obrigada por confiares, não te vou desapontar. Está descansada.
- Ok, obrigada..
- Aah...olha, como é que é?
- Como é que é o quê?
- O que tu fazes, como é que é?
- Ah, isso. Olha, se queres que te diga, já é normal. Quer dizer, ao princípio era horrível, sentia-me suja, tinha vergonha. Todos os dias chorava e pensava se teria mesmo de me submeter àquilo para poder pagar as propinas e tudo. Eu vivo sozinha, sabes que os meus pais morreram. E pronto, não tinha ninguém para conversar, os meus amigos acabaram por me abandonar, alguns não mas sei lá, ficaram diferentes. Às vezes também eu me perguntava porque não tinha um emprego mais "normal", servir à mesa ou entregar pizzas como toda a gente faz. Mas habituei-me.
- E os teus amigos?
- Bem, é claro que tenho amigos mas eles não sabem e eu também não lhes vou dizer. Mas eu sou uma pessoa normal, caraças, a sério que sou. Como, durmo, saio à noite e estudo como todas as pessoas. Não dou na veia nem nada do género, eu tenho uma vida. Só que sou prostituta.
- Eu não te estou a julgar, Jen. Aliás, acho que é preciso coragem para te meteres nisso.
- Não estás a ser cínica?
- Não, não estou. Não vou dizer que também era capaz disso porque não sei se sou, mas também há muita coisa que eu disse que nunca faria e já fiz.
- Eu não estou nisto porque gosto. Mas agora já não me faz confusão, não sinto nada é um bocado como dares beijos no cinema. De vez em quando lá vem um que quer fazer coisas estranhas ou não quer por o preservativo, mas tu sabes, há que pô-los na ordem. Eu sei que há histórias em que as mulheres são agredidas, levam porrada mesmo e até vão para o hospital ou até morrem, mas a mim nunca me aconteceu isso, eu sei ver. Às vezes até faço conversa, alguns até são gajos porreiros e combinamos cafés ou isso. Mas tenho sempre medo que eles conheçam os meus amigos e a fama se espalhe.
- Tens namorado?
- Tive até há algum tempo. Acabámos mas não foi por isto, aliás ele nem sabia. Sabes, isto é uma profissão. E eu faço-o porque preciso. Há quem venda comida, roupa, carros. Eu vendo sexo.

Saturday, June 2, 2007

Pausa

Aprendiz:

"Se era para partir, porque vieste? Não gosto das coisas que passam depressa! Nem dá tempo para as saborear.
Humm...Estás aí? Oh, claro que sim, não 'aí' mas num sítio qualquer. A pergunta era mais, estás a ouvir? Adoro perguntas retóricas.
Estás a ver aqueles dias em que o telemóvel não toca nunca, as nuvens tapam o céu quase todo, os tornados passaram pelo quarto à noite mas ninguém viu e provavelmente é Domingo? Pois, hoje não é um desses, por acaso até e Sábado e esteve sol, mas se fosse e eu me pusesse a pensar nestas coisas deprimentes já viste o quão na fossa ia ficar? Yeah, curtir a depressão. Mas o que querem não é um VIP e habitué da fossa, não, não, esses ficam lá sempre e chega uma altura em que já ninguém tem paciência para lhes agarrar num braço e vamos lá, anda, isto não vale nada aqui.
Bem, quanto a ti é mais um belo par de pernas. E não, não me estou a rir. Devia estar? Estou cansada, como disse Ele, sabes, e não é cansada de fazer muita coisa é mais de não fazer nada mesmo. Não estou cansada de, estou só cansada. Ponto final, parágrafo.
Ah, boa, era isso! Mas parágrafo para quê? Estou cansada também de dizer disparates. Que horas são? Isto é mas é de tanto viajar. Sem sair do lugar. Pois, é um paradoxo. E este 'x' é mesmo daqui embora não me soe bem nada com 'x' não sei porquê, é uma letra irritante.

Mas que raio é que eu estou para aqui a falar??"

Japão


- É mesmo difícil encontrar refúgios hoje em dia.
- As pessoas têm a mania que se têm de refugiar de tudo, estão sempre a inventar problemas e a inventar refúgios. Não são nada difíceis de encontrar, todos têm o seu personal refúgio.
- Como uma montanha?
- Como um lugar onde podem fingir curar o seu esgotamento e pseudo-reflectir sem concluir nada. Isto para dizer que as pessoas estão sempre cansadas, sempre a precisar de férias mas até nas férias estão cansadas. Cansadas de trabalhar, cansadas de não fazer nada, de estar acordadas, de estar a dormir, de fracassar e de ganhar, cansadas de se cansar.
- É preocupante. Penso que no fundo estão cansadas é de viver. Mas não percebem isso.
- Viver cansa, pois claro! Já viste o que passas o tempo a fazer? Nunca páras.
- Parar até paro... Mas não paro de pensar.
- Isso é óptimo. Mas é trivial.
É por se julgarem cansadas que procuram refúgios imaginários quando na verdade não estão a fugir de nada.
- Alguém devia dizer-lhes..
- Pois.

Thursday, May 31, 2007

Iraque


- As maiores guerras são as que fazemos conosco mesmos.
- E as em que se magoam as pessoas?
- Alguém que está permanentemente em guerra consigo mesmo só consegue entrar em conflito com os outros. Alguém que no fundo batalha é contra tudo o que é, contra tudo em que acredita no fundo mas que aos outros vai parecer mal, alguém que todo o tempo finge ser outra pessoa porque no fundo não é ninguém. Essas pessoas acabam por magoar os outros de tão cansadas que estão de se magoarem a elas mesmas.
- Mesmo sem querer..
- Mesmo sem querer. Mas elas não vão percebê-lo com ajuda. A melhor ajuda que lhes podes dar e a ti mesma é não dares de todo ajuda. Foge delas para as apoiares, ignora-as para lhes falares, evita-as para as compreenderes. Não procures estes guerrilheiros da vida ate que encontrem a paz sozinhos, por muito que possas ser iludida ao inicio. Não entres nas suas guerras e não te tornes como eles.

- Um cenário de guerra..

- Será sempre assim para eles.