- Quando é que descobriste?
- Desde que nasci. É de nascença. O meu pai era e lixou-me a mim e à minha mãe.
- Ele sabia?
- Sabia. Mas ele nem sabe quem eu sou. A minha mãe criou-me sozinha. Ela é fantástica e é linda, tens de conhecê-la.
- Claro! Deve ser uma grande mulher.
- A melhor do Mundo.
- Sim. [Sorrio] Se calhar não queres falar no assunto, deixa.
- Se não quisesse falar, não te dizia. Sabes o que é, certo?
- Sim, é uma disfunção no sistema imunitário. Estás exposto a todo o tipo de doenças das quais de outra maneira estarias protegido.
- Pois, é isso. Mas não se vê, não se sente,
- Eu sei, Moisés. Não se vê, não se sente, não se cheira, não se passa por toque nem beijos. Isso toda a gente sabe. Mas mesmo que se passasse assim eu não me ia afastar de ti.
- Ouve quem se afastasse. Olha todas as minhas namoradas desde que souberam, ficaram com medo e afastaram-se de mim aos poucos. Se não podíamos ter relações, então elas não iam ficar comigo.
- Mas podiam! Que estupidez!
- Sim, podiam, mas tinham medo. Nada é 100% seguro.
- Também não é 100% seguro saíres à rua, existe uma certa probabilidade de levares com um avião em cima, de te encontrares no meio de um assalto à mão armada ou de escorregar, bater com a cabeça e ficares com um traumatismo craniano. E isso não me impede de sair à rua.
- Tens piada..
- Não era para ter. Era só para me expressar. Alguém que goste de ti está-se a cagar para isso.
- Tu estarias?
- Eu , claro. Pior seria teres uma verruga azul no meio do nariz.
- Sim , claro [Ri-se]. As pessoas gabam-se que sabem tudo e que não têm preconceitos mas quando chega a vez delas, revelam-se.
- Ainda és virgem?
- Sim, ainda sou. E tudo por ser seropositivo.
- Eu não sou seropositiva, e também sou virgem. Não tem nada a ver.
- Mas eu já tive oportunidades.
- Também eu. Caga nisso, Moisés, pensa mais em ti.
- Não quero pensar. Sei lá, acho que um dia vou morrer por causa disto... Há pessoas que vivem para sempre com SIDA mas esses são os ricos que podem pagar tratamentos. Eu não posso. Tenho 17 anos, A.V, e se calhar estou a viver o fim da minha curta vida, não sei.
- Então se não sabes, não agoires.
- Mas eu jás me estou nas tintas, só que às vezes, volta sempre...está sempre comigo, no pensamento. No corpo. Sou eu, eu sou esta merda. E não posso mudá-lo.
- Então se não podes mudá-lo, esquece-o e vive. Se não soubesses disso, não vivias normalmente?
- Mas eu não posso viver normalmente, eu não sou normal.
- Estás a ser preconceituoso. Então as pessoas doentes não são normais?
- Eram, até eu ser um deles.
- Gostava de ter um daqueles coisinhos dos Man in Black para te apagar a memória e começares tudo de novo.
- Mas não tens..
- Não, não tenho. [Abraçei-o] Desculpa..
- Desculpa eu.
- Porquê?
- Por não te dar logo toda a razão do Mundo.
(A minha mãe pode estar em primeiro, mas tu estás logo a seguir).